quinta-feira, 25 de abril de 2024

Livros sobre Eros & Psiquê

 Eros & Psiquê: na minha humilde opinião a mais bela das histórias da Mitologia Grega. Talvez seja porque foi a primeira com a qual tive contato ainda na infância e se tornou uma memória afetiva.

Considero essa história a minha porta de entrada, tanto às Mitologias, quanto ao gosto pela literatura. É claro que tive contato com muitos livros antes. Minha mãe sempre foi bibliófila e quando nasci eu já tinha os 4 primeiros livros da minha futura biblioteca particular: uma coletânea (hoje rara) das histórias da Disney, com uma bela narrativa e muitas ilustrações.

Porém, até o dia que a minha escola selecionou Viagem ao Reino das Sombras como o livro paradidático daquele bimestre, eu não era uma leitora assídua. O livro paradidático era um livro infanto-juvenil que a escola selecionava a cada bimestre para fazermos uma prova... e é claro que, portanto, a leitura era obrigatória. Eu guardei todos os livros por muitos anos, mas sinceramente não gostei da maioria na época em que li... e, assim, como a maioria das crianças e adolescentes eu só lia por obrigação, nunca por lazer. Os livros paradidáticos mais comuns e mais famosos na época eram os da Coleção Vagalume... alguns dos livros que li eram dessa coleção, mas também havia outras coleções e 'Viagem' pertence à coleção Aventuras Mitológicas da editora FTD. Como se pode imaginar, era uma coleção somente de histórias mitológicas (principalmente gregas). E anos depois eu encontrei alguns dos outros livros dessa coleção na biblioteca de outra escola em que estudei e li todos que achei, pois na época criei um hiperfoco em Mitologia Grega. Até história em quadrinhos da Mônica na Grécia Antiga eu ganhei de presente.

Os livros infanto-juvenis daquela época (anos 90) tinham uma linguagem MUITO diferente dos livros infanto-juvenis atuais. O texto era o mais simplificado possível, chegando até a subestimar os jovens leitores. E os livros sempre vinham com ilustrações, mesmo que em preto e branco, tomando boa parte de várias páginas. Foi com Harry Potter (PF lançado em 1997 somente em inglês) que os livros para público na faixa de 10 a 16 anos se tornaram mais densos e complexos.

Esse ano eu resolvi que minhas leituras irão intercalar a releitura dos meus "queridinhos" e os vários livros inéditos pra mim que estão há anos na estante aguardando a sua vez. E decidi começar lá do início: peguei Viagem ao Reino das Sombras para reler. Mas não somente ele! Em 2019 eu encontrei um livro chamado Soul in Darkness (que, até onde sei, ainda não tem tradução oficial para o português) que é uma versão adulta do conto de Eros & Psiquê... e, é claro, que não pude deixar de ler na época. E reli este ano!

Então, esse post será uma resenha dupla dessas 2 versões literárias (a infantil e a adulta) deste conto. 

Antes, uma breve sinopse: essa é a história de uma jovem princesa que era tão bela que sua aparência rivalizava com a da própria Afrodite (a deusa da beleza e do amor). Enraivecida com a reverência que Psiquê tem recebido, Afrodite ordenada que Eros castigue Psiquê. Porém, as coisas não saem como a deusa gostaria e o próprio Eros acaba se apaixonando por Psiquê. (por acaso não lembra um pouco Branca de Neve e sua madrasta?)


Para quem conhece o conto ou apenas sabe quem é Eros na mitologia, a ideia de um livro infanto-juvenil que conte essa história pode parecer muito estranha. Afinal Eros é literalmente o deus grego do amor físico, da paixão, da atração, da 'química', ou seja... do erotismo. Por isso eu imagino que o autor, Luiz Galdino, deve ter tido uma grande dificuldade para criar essa adaptação dizendo tudo que precisava, mas sem passar dos limites para o público-alvo.

Quando li da primeira vez, na pré-adolescência (entre 11 e 12 anos) eu já tinha alguma noção das coisas (pois já tinha sido orientada pela minha mãe e por uma médica ginecologista), então achei algumas coisas nesse livro meio sem sentido e as explicações pouco convincentes. Principalmente a desconfiança de Psiquê sobre a natureza do seu marido. Para explicar preciso dar algum spoiler: Psiquê faz um casamento forçado e seu marido só a visita à noite, na escuridão e vai embora antes do amanhecer. Ela é proibida de vê-lo. Por isso e por causa de uma profecia, há a suspeita de que seu marido não seja humano e não tenha forma humana. Que seja um monstro. Mas... Psiquê não tem TATO? Afinal, dessa forma pode-se sentir a textura da pele e adivinhar o formato de alguém de uma maneira geral. O tato, aliás, é muito usado por pessoas cegas justamente para isso. Então... essa parte nunca ficou bem explicada para mim!

Esse livro tem apenas 93 páginas, com letras grandes e muitas ilustrações espaçosas. Se fosse publicado no padrão atual, teria fácil menos de 80 páginas, talvez até menos de 75 páginas. As ilustrações de Rogério Borges são até bonitas, mas os rostos dos 3 protagonistas (Psiquê, Afrodite e Eros) não fazem jus à descrição destes personagens: simplesmente os seres mais belos da Terra para padrões humanos de forma física.

Nesta versão tudo é muito simplificado. Os pais de Psiquê consultam o oráculo porque ninguém a pede em casamento (embora não haja razão para isso), depois não há descrições da rotina de Psiquê durante o dia (diz apenas que ela está feliz) e suas irmãs agem apenas por pura inveja (sem maior desenvolvimento) e todos os diálogos são rasos. Mas, devido à memória afetiva, não consigo desgostar deste livro.

Comparar Viagem ao Reino das Sombras com Soul in Darkness seria até injusto, se não fossem ambos versões da mesma história. Obviamente com públicos completamente diferentes e publicados em épocas muito diferentes também. Wendy Higgins teve a liberdade de desenvolver e aprofundar a personalidade de cada protagonista, criar personagens originais e cativantes e dar explicações elaboradas para cada situação bizarra e cada dilema dos personagens. Para se ter uma ideia de tamanha diferença, este livro tem 444 páginas no e-book e sem nenhuma ilustração além da capa. E, mesmo assim, a autora ainda deixou um dos desafios que Psiquê enfrenta fora dessa versão.

A única coisa que me desagradou nessa versão foi a preferência da autora pelo uso dos nomes romanos no lugar dos nomes gregos. Assim, Eros se torna Cupido, Afrodite é chamada de Vênus e etc. Eu nunca gostei das mudanças romanas e sempre dei preferência ao original grego. Além disso não faz muito sentido, já que essa é uma das primeiras histórias da antiguidade. É dito que Psiquê foi a primeira mortal a conseguir voltar do submundo, mas sabemos que outros conseguiram o mesmo feito depois dela, como Orfeu.
Outro motivo pelo qual não me agrada essa mudança é que Cupido sempre é lembrado pelas pessoas como um "anjinho infantil, gordinho e engraçadinho", o que tira a grandiosidade e a malícia desse personagem. Eros é a origem das palavras "erótico" e "erotismo", enquanto que Cupido é geralmente usado como uma ilustração infantilizada, ingênua e até mesmo brega. O que é o total oposto da proposta desse livro.

Dada a natureza da história e o público-alvo, este é obviamente um livro hot e, portanto, + 18.

Aqui os pais de Psiquê realmente pecaram contra Afrodite (usarei teimosamente nomes gregos na resenha), dando motivo mais plausível para despertar a ira da deusa (embora ela continue sendo a vilã da história). Psiquê não se torna automaticamente feliz após o casamento, Eros não consegue conquistá-la com facilidade. Até porque ela aqui não é uma princesa dócil, submissa e inocente como em "Viagem", mas é desde o início rebelde e também muito consciente de tudo à sua volta. Ela se torna um desafio para ele, devido às limitações (e a questão do toque é bem resolvida). Apesar de estar vivendo em um paraíso (sua rotina é descrita), Psiquê sabe que é prisioneira e todas as noites ela enfrenta um dilema, pois muitas vezes um medo incontrolável se sobrepõe à razão e até ao instinto e a tentação, fazendo-a resistir. E isso caiu perfeitamente para a personagem, pois ela se tornará (SPOILER) nada mais, nada menos, do que a deusa da alma e da mente (Psiquê => psique => psicologia). Portanto, seus dilemas, suas travas mentais, seu medo de se entregar, sua situação de impasse. etc. são perfeito reflexo do que os humanos passam todos os dias e muitos tratam na terapia com psicólogo. Psiquê, é claro, é uma alegoria da mente humana e de tudo que temos que passar para atingir nossos maiores desejos e objetivos.

Aqui, também, a relação entre Eros e sua mãe Afrodite é um pouco mais complexa e Afrodite é mais ardilosa, causando intrigas que justificam as atitudes das irmãs de Psiquê para além da simples inveja. Também é mais bem explicado porque no início da história Psiquê não consegue um marido, apesar de todo o seu encanto físico, com direito a algumas cenas engraçadas de situações inusitadas com possíveis pretendentes.

A decisão final de Psiquê também não é simplificada nesta versão. A autora faz Eros a se esforçar um pouco mais.
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Este é uma história sobre o poder da mente (ou a fraqueza dela em momentos de desespero), o perigo da vaidade excessiva e a real beleza: a beleza da alma, esta sim a única capaz de conquistar o amor verdadeiro. Além das mudanças que o sofrimento profundo inevitavelmente causa em nossa alma.

Eu sempre estranhei nesta mitologia (e em outras envolvendo esta deusa) as atitudes mesquinhas de Afrodite... afinal, ela é a deusa do amor e da beleza. A mesquinharia, a raiva e a vingança não são atitudes ligadas nem ao amor e nem à beleza. Toda pessoa com atitudes arrogantes e desagradáveis ao extremo, por mais belas que sejam por fora, se tornam feias aos olhos de qualquer um que conviva com ela.

Com essas releituras eu reinterpretei o papel de Afrodite na mitologia: ela era sim, a deusa da beleza... mas exclusivamente a beleza física e, acima de tudo, a deusa da vaidade!
E do amor? É a deusa daquele 'amor' sufocante, tóxico... ela está mais para a deusa da obsessão, do que do amor, de fato.

Quanto a Eros... ele é o deus da paixão passageira, do 'amor' físico... até encontrar Psiquê e ele próprio descobrir o que é o amor verdadeiro e eterno que gera bons frutos.

A filha da Alma / Mente e da Paixão é ninguém mais, ninguém menos, que Hedonê para os gregos (origem das palavras "hedonismo" e "hedonista") e Volúpia para os romanos (origem da palavra "voluptuosa"), que significa Prazer. Ou seja, o prazer real só pode ser alcançado quando alma, mente e corpo estão em sintonia.

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