terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Netflix: O Gambito da Rainha

O Gambito da Rainha é a mais nova produção de sucesso da Netflix, uma minissérie em 7 capítulos baseada no livro de mesmo nome do autor Walter Tevis, que o publicou em 1983.

A série conta a história de uma jovem chamada Elizabeth Harmon - vivida na adaptação pela atriz Anya Taylor-Joy, de 24 anos - que após chegar a um orfanato, com cerca de 9 anos, aprende a jogar Xadrez com o zelador do local, o Sr. Shaibel, e acaba se revelando um prodígio impressionante. Então, ela cria uma carreira para si no Xadrez, passando por competições locais, nacionais e até chegar ao topo competindo com os maiores Mestres internacionais. A história se passa na década de 1960.

A minissérie estreou na Netflix em 23 de Outubro - há pouco mais de um mês - e já se tornou uma das produções mais vistas da plataforma. É um sucesso de público e crítica, chegando a receber 100% de aprovação no Rotten Tomatoes. Os atores receberam treinamento do Mestre de Xadrez Bruce Pandolfini para dar veracidade à atmosfera do universo dos enxadristas. Essa consultoria aliada a um roteiro primoroso e o talento inegável dos atores - em especial deve-se destacar Anya Taylor-Joy naturalmente - foram a receita do sucesso da minissérie.

Como não li o livro que deu origem à minissérie (mas já quero!), não posso dizer o quanto é fiel à obra original. Por isso só posso comentar a minissérie em si. Não darei grandes spoilers, mas para dar minha opinião será impossível não comentar algumas coisas.

Todo o primeiro capítulo é focado na infância de Beth, mais especificamente no seu período dentro do orfanato, onde ela chega após ter sofrido um grave acidente de carro no qual sua mãe faleceu. Mas nem tudo sobre esse período é mostrado logo no primeiro capítulo. Ao longos dos demais capítulos, que mostram a escalada da carreira de Beth no Xadrez e seus problemas pessoais, vemos alguns flashbacks da infância de Beth que se mostram essenciais para compreendermos seu grande trauma. Em especial o que é mostrado no último capítulo.

Quando Beth chega ao orfanato estranhamos o fato de que tudo é muito perfeito. Não há professoras "más" e nem castigos - coisas que eram comuns na época. Mas a diretora, como é de se esperar, é uma mulher de postura firme. Então Elizabeth é apresentada às "pílulas verdes" nas quais ela acaba viciada pelo resto da vida. Após alguns anos Beth é adotada por uma família de classe média que está em dificuldades e, infelizmente, sua mãe adotiva apesar de ser boa para ela, lhe dando apoio incondicional na carreira (mas só depois que descobriu que podia lucrar com isso), é uma mulher alcoólatra e fumante que acaba influenciando Beth no mesmo caminho.

Quando a protagonista, ainda adolescente, descobre a existência de uma revista especializada em Xadrez e, através dela, a existência de torneios ela fica desesperada para participar, mas não tem de onde tirar dinheiro para se inscrever. Ela consegue participar de um torneio com a ajuda de um amigo e imediatamente começa a fazer sua fortuna. Depois de ter sofrido bullying na escola local por ser diferente e se vestir mal (é, a mesma história de sempre), ela passa a usar seu dinheiro para comprar tudo o que precisa para se aperfeiçoar no jogo (muitos livros e um tabuleiro próprio) e passa também a se interessar por moda, tornando-se uma mulher muito elegante.

A minissérie foca principalmente no lado positivo da carreira dela dentro do Xadrez, mostrando ela sendo respeitada e reverenciada por seu talento pelos outros adversários e pela imprensa, em sua grande maioria homens. Da mesma forma a produção não foca muito nas questões de Guerra Fria quando ela enfrenta jogadores soviéticos. Ainda assim, pontualmente essas questões de sexismo e medo de espionagem estão lá. Em certo momento Elizabeth é acusada de ser "glamurosa demais para ser uma enxadrista séria" (insinuando que uma mulher bonita e de bom gosto só pode ser uma cabeça oca e não uma pessoa de extremo talento e inteligência) ou até mesmo é sugerido que pode estar enlouquecendo pela forma como sua mente funciona. Isso mostra claramente como a sociedade, em qualquer época, é incapaz de aceitar quem é diferente. Tanto para o círculo fechado dos enxadristas, quanto para a sociedade geral, Beth é vista como uma estranha e tem dificuldade de se encaixar. Isso, no entanto, não a impede de fazer grandes amizades dentro do mundo do Xadrez (e fora também) que a ajudam nas momentos mais importantes! Ela se supera a cada capítulo, tanto na vida pessoal quanto no Xadrez! Quanto à Rússia, há apenas uma cena em que ela é orientada em como deve se portar diante dos russos.

Aliás, algo muito interessante foi mostrarem como o Xadrez, na Rússia, é visto como um esporte nacional, da mesma maneira que é o futebol no Brasil, com as partidas sendo transmitidas lance a lance pelo rádio, pessoas jogando diariamente nas praças e "assediando" os grandes campeões com pedidos de autógrafo. O Xadrez é, de verdade, um dos esportes mais queridos do país!

Eu mesma já quis aprender Xadrez, acho um jogo bastante intrigante por sua fama de jogo clássico e de estratégia, que ajuda a afiar a mente. E a série é bastante eficiente em mostrar isso. Os jogadores, quando não estão competindo, estão treinando ou pensando em Xadrez ou conversando sobre Xadrez ou lendo sobre Xadrez. Apesar de ser um esporte mental, a minissérie mostra que não é muito diferente de outros esportes que exigem dedicação total daqueles que desejam chegar ao nível profissional. As jogadas, posições e estratégias tem nomes complicados (tal qual as Artes Marciais, por exemplo), é preciso repassar as partidas anteriores dos seus adversários para estudar suas fraquezas, é necessário manter-se totalmente são e sóbrio nas 24 horas anteriores a um confronto (se quiser vencer) e há todo um jogo psicológico entre os oponentes, dentro e fora da "arena", em paralelo à partida em si. Se você já praticou qualquer esporte ou já viu vídeos e palestras de qualquer tipo de jogador profissional, sabe que é exatamente assim que funciona, não importa o esporte! Embora no jogo de Xadrez não haja muita movimentação física, a minissérie retrata com precisão que um enxadrista pode chegar ao final com uma exaustão mental.

Fiquei bastante impressionada com a quantidade de estudos que é necessária da parte dos entusiastas e dos Mestres para competir, a quantidade de variações de jogadas para um jogo que, aos olhos inexperientes dos leigos, pode parecer tão simples!

Como era de se esperar, o sucesso da série trouxe à tona um interesse renovado no jogo, em especial por parte das mulheres por ter uma protagonista feminina. O Google Trends aponta um aumento de interesse de 78% nos termos relacionados ao jogo, como os que são mencionados na série! (Fonte) E se você é uma dessas pessoas que passou a se interessar por Xadrez, eu tenho uma ótima dica para você:

Você pode aprender a jogar Xadrez online do zero (e gratuitamente) e, se já souber jogar, mas quiser aperfeiçoar suas técnicas. você também pode estudar online. E não pense que é jovem demais ou velho demais para aprender. Trata-se de um jogo para todas as idades, que ajuda a desenvolver a memória (algo muito bem explorado na série, aliás) e o pensamento lógico, melhora a concentração, desenvolve imaginação e criatividade, ensina independência (algo que também foi crucial para Beth) e inspira automotivação. O Xadrez é uma mistura de arte, ciência, matemática e pesquisa. E você inevitavelmente fará novas amizades com pessoas que tenham o mesmo interesse pelo jogo. Se você se interessou em aprender, a minha dica é que você se inscreva na Academia de Xadrez. Acessando o site você terá mais informações sobre como participar e poderá ver depoimentos de outros alunos!

CURIOSIDADES:

Heath Leadger (mais conhecido por seu papel como Coringa) pretendia começar sua carreira como diretor fazendo uma adaptação de "The Queen's Gambit" para o cinema. No filme ele também interpretaria o personagem Harry Beltik e Elizabeth Harmon seria interpretada por Ellen Page (a Kitty Pryde de X-Men). (Fonte)

Harry Beltik é interpretado na minissérie da Netflix pelo ator Harry Melling que foi, ninguém mais ninguém menos, que Dudley Dursley nos filmes de Harry Potter, o primo insuportável do bruxo mais famoso do mundo. O ator está completamente irreconhecível - pelo menos se sua única lembrança dele forem os filmes de Harry Potter. (Fonte) Vale lembrar que no primeiro filme de Harry Potter (A Pedra Filosofal) o Xadrez também foi abordado no núcleo dos alunos de Hogwarts, com o Xadrez de Bruxo - esporte no qual as peças se movem magicamente sozinhas.

Anya Taylor-Joy ainda tem um currículo curto, mas já é conhecida do público por suas atuações nos filmes Fragmentado, Emma (adaptação da obra de Jane Austen) e Os Novos Mutantes (último filme sobre mutantes da Marvel feito pela Fox antes da empresa ser vendida para a Disney). Você pode ver mais detalhes da biografia da atriz aqui!

Vera Menchik pode ter sido a inspiração para a criação da personagem Elizabeth Harmon. Vera nasceu em 1906 na Rússia e durante a Revolução Bolchevique de 1917 se mudou para a Inglaterra com a mãe e lá começou a desenvolver seu talento no Xadrez. Você pode ler mais sobre ela nesta matéria!

O que é um Gambito? Um nome que soa estranho para quem não é enxadrista, não é mesmo? Um Gambito é uma jogada em que se sacrifica uma peça em favor de conseguir vantagem na partida, abalando o psicológico do oponente. 


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